Suíços propõem a liberalização das drogas
Uma sociedade sem drogas é uma utopia. Baseada nesta constatação, uma comissão internacional defende uma mudança radical na política de combate às drogas.
40 anos depois, a guerra que custou trilhões de dólares está perdida. O mundo talvez nunca tenha consumido tantas drogas como hoje, o tráfego pesando, em geral (de acordo com uma estimativa do FMI) 400 bilhões de dólares por ano. Uma fortuna repartida entre quadrilhas criminosas e organizações terroristas. Tanto em termos de saúde pública, de segurança, ou de direitos humanos, o reconhecimento do fracasso é total.
“Basta lembrar que metade de todas as sentenças de morte pronunciadas no mundo são para casos de drogas, muitas vezes pequenos, e um terço das infecções pelo HIV fora da África subsaariana é causado pela partilha de agulhas”, comenta Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça, que instaurou na Suíça, nos anos 90, a chamada política dos “quatro pilares” (prevenção, tratamento, redução de perigos, repressão).
Medidas polêmicas
Em junho de 2011, a Comissão publicou um polêmico relatório que defende a necessidade urgente de uma “reforma fundamental das políticas de combate às drogas nos níveis nacional e internacional”.
Em suma, a Comissão propõe o abandono da criminalização dos consumidores, o respeito dos direitos das pessoas envolvidas nos níveis mais inferiores do tráfego (agricultores, contrabandistas, pequenos traficantes), a promoção dos tratamentos com metadona e a prescrição médica de heroína.
O grupo apela os governos a “garantir que as convenções internacionais sejam interpretadas ou revistas para fornecer uma base jurídica sólida que possibilite a redução do risco, a descriminalização e a regulamentação legal”.
“Eu não sei se o mundo está pronto para essa mudança. Mas sei que muitos líderes estão conscientes da necessidade de novas abordagens. O relatório gerou muito interesse e somos bastante consultados”, disse Ruth Dreifuss, que esteve recentemente no Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, em Viena, após uma participação muito divulgada em janeiro perante uma comissão do Parlamento britânico, acompanhada por Richard Branson.
Liberalização total
Ludivine Ferreira e Alain Barbezat também se basearam na constatação do fracasso total da guerra contra as drogas. “A repressão é ineficaz, na Suíça como em outros lugares. Os estudos em criminologia mostram que, para que uma pena seja dissuasiva, ela deve ser imposta de forma rápida e certa, com bastante rigor. No entanto, os dois primeiros pontos geralmente não são respeitados e o rigor, a partir de um certo nível, não traz mais nada em termos de prevenção da criminalidade. Pode até ser perverso”, observa Alain Barbezat.
Os dois advogados estão conscientes de que a proposta é inviável no contexto político atual. Em 2008, 63% dos eleitores suíços rejeitaram uma iniciativa popular para a descriminalização da maconha.
Duas semanas atrás, a Câmara dos Deputados da Suíça ainda concordou em não processar os consumidores pegos com até 10 gramas de maconha, ou outra droga com mesmo efeito, que só teriam que pagar uma multa de 200 francos (mais ou menos 240 dólares). Mas a discussão foi grande, a votação apertada, e a proposta ainda precisa passar pelo Senado.
“Nosso objetivo é incitar o debate. Se evitássemos de fazer propostas com o pretexto de que elas não agradam, não avançaríamos nunca e talvez ainda teríamos a pena de morte na Suíça”, admite Ludivine Ferreira.
Comercialização limitada
O problema, para eles, é que dois terços dos recursos destinados à luta contra as drogas na Suíça vão para o pilar “repressão”, considerado ineficiente. “Se as drogas fossem legalizadas, esses recursos iriam para os outros pilares, para a prevenção, o tratamento. Tudo isso deve ser levado em consideração, pois só legalizar, é bonito, mas não serve para nada”, ressalta Ludivine Ferreira
Quanto ao risco de uma explosão no consumo de drogas, ameaçado pelos adversários de qualquer relaxamento da repressão, os dois advogados se mostram incrédulos.
“Hoje, é relativamente fácil obter quase todas as drogas. No entanto, a maioria das pessoas não se interessam, por outros motivos além da proibição penal: ou por causa de uma proibição moral, ou pela consciência dos riscos para a saúde”, observou Alain Barbezat.
Adaptação: Fernando Hirschy