Convívio entre homens e cães criou semelhanças genéticas

jan 23, 2015 by

cachorro

RIO- Cachorros podem, de fato, ser os melhores amigos do homem porque compartilham uma história evolutiva em comum muito mais longa do que se imaginava. Estudo publicado esta semana na “Nature Communications” revelou que os cães teriam sido domesticados há 32 mil anos — quase o dobro do que se acreditava. Esta duradoura e intensa relação teria, inclusive, um impacto na genética dos animais e dos homens, que foi ficando parecida em alguns aspectos. Na verdade, conclui o estudo, os cães se auto-domesticaram para serem mais aceitos pelos humanos que, por sua vez, também se adaptaram aos animais.

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Zoologia da China, coordenados por Ya-Ping Zhang, obteve o genoma completo de quatro lobos cinzentos de diferentes pontos da Ásia e da Europa, três cachorros nativos do sudoeste da China, e três representantes de raças atuais. Geneticistas confirmaram que os cães nativos da China representam o primeiro estágio da domesticação canina — o genoma deles traz informação sobre a transição de lobos para os cachorros ancestrais, tornando-os uma espécie de “elo perdido” da domesticação.

Os lobos se auto-domesticaram

A equipe descobriu também que os lobos apresentam a maior diversidade genética, enquanto que os cachorros modernos ficam com a menor. Analisando a quantidade de mutações, os especialistas conseguiram estabelecer que a separação entre lobos e cães nativos chineses ocorreu na Ásia, há 32 mil anos.

Diferentemente do que se imaginava, dizem os cientistas, os homens não adotaram filhotes de lobos. Teria sido bem o oposto disso.

O processo provavelmente começou com os lobos que rondavam em torno de populações humanas de caçadores-coletores em busca de restos de alimento e carcaças, num processo que os pesquisadores chamam de auto-domesticação.

A hipótese mais interessante levantada por essa pesquisa é a auto-domesticação — afirmou Zhang em entrevista. — De acordo com essa hipótese, os primeiros lobos teriam sido atraídos para viver e caçar com os humanos. E com sucessivas mudanças adaptativas, esses animais se tornaram progressivamente mais propensos a viver com os homens.

Nesta situação, os lobos mais agressivos teriam se saído muito mal, porque a tendência seria que fossem mortos pelos homens. Os animais mais mansos, no entanto, teriam se adaptado melhor e se multiplicado. Ou seja, os lobos se auto-domesticaram.

A pesquisa conseguiu estabelecer que a domesticação impôs uma determinante força seletiva nos genes envolvidos na digestão e no metabolismo — provavelmente por conta da mudança de uma dieta estritamente carnívora para uma onívora.

Os genes que governam processos neurológicos complexos também sofreram tal pressão, sobretudo devido à necessidade de redução da agressão e do aumento de complexos processos de interação com os seres humanos.

Curiosamente, o grupo descobriu que a contraparte humana de diversos desses genes, particularmente aqueles envolvidos nos processos neurológicos, também sofreram uma forte pressão seletiva ao longo do tempo, refletindo os fatores ambientais similares vivenciados por homens e cachorros ao longo de milhares de anos de uma relação tão próxima.

Mais dóceis e mansos

Alguns dos genes estão associados a doenças similares no homem e no cão. Outros são ativos na região do córtex pré-frontal, onde os mamíferos tomam decisões sobre o comportamento. Alguns genes estão envolvidos no maior número de conexões entre os neurônios. Um gene em particular, o SLC6A4, é responsável pela codificação da proteína que transporta o neurotransmissor serotonina.

Outros estudos já haviam revelado que o gene é relacionado ao comportamento agressivo e ao transtorno obsessivo-compulsivo não apenas em homens mas também em cachorros — afirmou Zhang.

Mudança semelhante foi também constatada nos homens — indicando que nós também tivemos que nos tornar menos agressivos para tolerar os outros e viver bem em grupos.

Para o cientista, o estudo da base genética de diversas doenças em cães pode ajudar na compreensão de doenças similares em humanos.