Morreu historiador francês Jacques Le Goff, especialista em Idade Média e pioneiro da `Nova História

abr 1, 2014 by

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O historiador francês Jacques Le Goff, um dos mais importantes especialistas mundiais em Idade Média, cujas obras mudaram a perceção dessa época charneira da história europeia, morreu hoje em Paris, aos 90 anos.

Para Jacques Le Goff, um dos maiores intelectuais franceses do século XX, a memória deveria servir o futuro, as lições da história deveriam iluminar a marcha do mundo.

Ao longo da sua frutuosa carreira e de uma obra monumental, este filho de um bretão nascido em Toulon, no sul de França, a 01 de janeiro de 1924, passou pela prestigiada École Normale Supérieure, que forma a elite universitária francesa, dedicou-se apaixonadamente àquilo que a chamava a “longa Idade Média ocidental”, do final da Antiguidade até ao século das Luzes.

Le Goff contestava a ideia vigente segundo a qual o Renascimento terá posto fim ao obscurantismo medieval e recebeu, em 2004, o prémio Dr. A.H. Heineken de História por “ter fundamentalmente alterado a perceção da Idade Média”.

Biógrafo de São Luís e autor de “O Nascimento do Purgatório”, este europeu convicto não hesitava também em deixar de parte o seu período predileto para abordar os temas mais quentes da atualidade.

“Um historiador não pode viver unicamente no passado. Creio que ele tem o dever de se inscrever na vida da sua sociedade de outra forma que não apenas os seus escritos”, defendeu este homem caloroso e de imponente estatura.

A ministra da Cultura, Aurélie Filippetti, elogiou Jacques Le Goff como “uma figura maior da paisagem intelectual francesa”.

Apelidado de “ogre histórico” e “o papa da Idade Média”, Le Goff admitia ter caído na adolescência no caldeirão da História, sua companheira desde 1950, desde a leitura do escritor britânico Walter Scott.

Aluno e depois sucessor de Fernand Braudel na direção da Escola Prática de Altos Estudos, um dos berços da investigação em ciências sociais na Europa, que se tornou, em 1975, a École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Jacques Le Goff é considerado, desde a publicação do seu primeiro livro, “Os Intelectuais na Idade Média”, o herdeiro da École des Annales, que revolucionou a abordagem histórica nos anos 1930.

“Uma ideia fundamental da École des Annales é que a história se faz num vai-e-vem constante do presente para o passado e do passado para o presente”, explicava.

Com um total de 40 obras publicadas e considerado um dos pais, nos anos 1970, do chamado movimento da “Nova História”, que reconstitui todos os aspetos da sociedade, sem esquecer as mentalidades, tanto dos reis como do povo, Jacques Le Goff acompanhou as suas obras de investigação de uma reflexão permanente sobre a profissão de historiador.

Desejando atingir um público mais amplo que apenas os iniciados, Le Goff animava também na rádio France Culture o programa “As Segundas-Feiras da História”, de que se tornou produtor em 1968.

Foi igualmente conselheiro científico da rodagem do filme “O Nome da Rosa”, adaptado por Jean-Jacques Annaud do `bestseller` do escritor italiano Umberto Eco.

Jovem investigador bolsista em Praga, viveu em direto a tomada do poder pelos comunistas em 1948 e ficou “vacinado contra o comunismo”, dizia, divertindo-se com as viragens dos seus confrades que, no pós-guerra, perfilharam a ideologia comunista.

Le Goff considerava-se “um homem de esquerda” e era a favor de uma Europa unida, forte, aberta e tolerante.

Casado com uma polaca, e falante de inglês, italiano, polaco e alemão, teve como melhor amigo o historiador e político polaco Bronislaw Geremek, falecido em 2008, e incarnava ele mesmo essa Europa do diálogo que defendia.

Fonte: http://www.rtp.pt