A religião na pré-história

dez 21, 2012 by

Mediante toda a movimentação que está acontecendo sobre o dia de hoje, em grande parte, deturpando o significado que os Maias conferiram ao dia 21 de dezembro de 2012, que é o inicio de um novo ciclo e não o fim do mundo. Resolvi postar um pedaço, que na verdade é o inicio de um texto que escrevi sobre a “História das religiões”. O texto inicia falando sobre a pré-história e nos mostra resumidamente como se deu a constituição da nossa espécie, como que ela reagiu aos mistérios da vida, e como que nos tornamos tão diferentes um do outro, de acordo com o país em que crescemos.

            A intenção de postar esse meu texto hoje, é para as pessoas refletirem que somos todos da mesma espécie, separados por costumes e fisionomias transformadas ao longo de milênios por conta da busca por adaptação, da busca de viver melhor, de cada grupo humano em nosso planeta tão diversificado.

A religião na pré-história

 

É preciso, antes de tratarmos sobre o tema, saber sobre o período descrito. Pré-história designa tudo o que se passou desde o aparecimento do primeiro ser com postura ereta, até o tempo em que surgi a escrita. O termo foi cunhado com o pré-conceito de que, se não houvesse escrita, não haveria história para contar. A arqueologia, paleontologia, antropologia, e várias outras logias, possibilitaram o estudo e compreensão da vida do homem pré-histórico, mesmo que embrenhada em nevoeiros e barrancos. As dificuldades são muito grandes, mas, devemos lembrar que, mesmo os textos escritos, são passiveis de enganos, pois, a versão de quem escreve, não é verdade absoluta.

Para melhor compreensão desse longo tempo histórico, dividiu-se ele em período Paleolítico e Neolítico. O primeiro se inicia com o surgimento dos hominídeos por volta de 4 a 2 milhões de anos até 10.000 a.c, data em que o gelo das extremidades do globo derreteu, mudando o clima do planeta. O segundo, se conta dessa mudança climática até a produção da escrita, por volta de 4.000 a.c.

Outro ponto a esclarecer é que a cronologia adotada, ou seja, a utilizada pelos acadêmicos, é baseada nos primeiros eventos ocorridos no globo. Por exemplo, quando dizemos que a pré-história acaba com a utilização da escrita, automaticamente, declaramos que alguns indígenas brasileiros até pouco tempo viviam na pré-história. Mas, isso não denota inferioridade em relação a nossos indígenas. É importante compreender, que cada grupo humano em seu território geográfico, se desenvolveu do seu modo, de acordo com suas necessidades. Um grupo não é superior ao outro por possuir mais tecnologia. A condição climática, geográfica, hidrográfica, entre outros, do território habitado, é que conduz as atividades humanas. A terra do Brasil oferecia ao índio, uma rica diversidade natural, dando-o privilégio de uma vida farta, sem maiores complicações.

O indicio mais antigo de prática relacionada à religião do homem e mulher pré-histórico, é o sepultamento. Que esta intimamente ligada, as fontes mais antigas e numerosas da pré-história, que são as ossadas. A prática da inumação revela uma preocupação com a vida após a morte. Isso é mais ressaltado ainda, nos detalhes de preparação e adereços encontrados em inúmeras sepulturas. Por exemplo, o ocre vermelho salpicado em cadáveres, é universalmente encontrado, podendo ser substituto ritual do sangue, símbolo da vida. A posição que o corpo é encontrado, também é coberta de significado. Ele é virado para o leste, marcando a intenção de tornar o destino da alma solidário com o curso do Sol, portanto a esperança de um renascimento. E também é posto em forma fetal, tendo a terra, no caso a cova, o simbolismo do útero.

Oferendas de alimentos e diversos objetos de adorno como colares, são encontrados depositados em túmulos. Encontraram também, cuidadosamente dispostas em torno e sobre os cadáveres, conchas de moluscos. Essas conchas possuem a forma de vagina, parecendo estar associadas a algum tipo primitivo de adoração da deidade feminina.

As formas mais numerosas, e explicitas de culto religioso feito pelo homem e mulher do Paleolítico até o momento é datado por volta de 35.000 ac. Foram elas, as grutas/santuários com suas pinturas e as inúmeras estatuetas femininas. Como as pinturas se encontram muito longe da entrada da gruta, sendo muito delas inabitáveis, com dificuldades de acesso, os pesquisadores concluíram que elas são uma espécie de santuário. As pinturas revelam ainda mais o caráter sagrado e ritualístico do lugar. Duas temáticas decifradas e discutidas por pesquisadores são a de danças rituais e seções xamânicas. As estatuetas femininas representam o “culto da fertilidade” praticado por esses humanos. Esculpidas em pedra, osso ou marfim, possuem nádegas, seios e barrigas volumosas, além de terem a vulva sempre à mostra. Representam a “Grande Mãe” a “Deusa”. André Leroi-Gourhan constata que a arte desse período expressa alguma forma incipiente de religião, na qual figuras e símbolos femininos ocupam posição central. Esse pensamento vai ser corroborado quando das descobertas referentes ao período Neolítico.

As geleiras recuaram, o clima do planeta esquentou, e sua paisagem mudou. Fauna e flora modificadas aconteceu a maior revolução da história do homem. Ocorreu a domesticação das plantas, ou seja, a invenção da agricultura, a domesticação de animais e o sedentarismo. Mas, a criatividade religiosa no neolítico foi despertada menos pelo fenômeno empírico da agricultura, do que pelo mistério do nascimento, da morte e do renascimento identificado no ritmo da vegetação. As crises que põem a colheita em perigo (inundações, secas etc.) serão traduzidas, para serem compreendidas, aceitas e dominadas, em dramas mitológicos. A mulher teve um papel decisivo para a domesticação das plantas, ela que conhecia o “mistério” da criação. Fértil e fecunda como a terra, foi responsável pela abundancia das colheitas.

Em todos os sítios arqueológicos do neolítico encontramos a religião centrada no culto à Deusa. Por exemplo, em Catal Huyuk,

 A principal divindade é a deusa, apresentada sob três aspectos: mulher jovem, mãe dando à luz um filho (ou um touro), e velha (acompanhadas as vezes de uma ave de rapina). A divindade masculina aparece sob a forma de um rapaz adolescente – o filho ou o amante da deusa – e de um adulto barbudo, ocasionalmente montado sobre um animal sagrado, o touro. (ELIADE, 2010, p.55).

 

 

A longa viagem…

Os grupos humanos empreitaram longas viagens em busca de sobreviverem as intempéries da jornada da vida, que naquele tempo eram muito mais cheias de mistérios a desbravar. O frio da Era do gelo, somados a escassez de alimento e o perigo constante da morte, tornava a vida recheada de desafios a vencer. É assim que aos poucos nossos antepassados vão criando a cultura.

Melhor dizendo, eles vão criando aS culturas, pois, em suas grandes caminhadas, cada grupo vai se instalando em um território, ou dá continuidade ao trajeto, em busca de um abrigo melhor. Quando um grupo se sedentariza em determinada região, ele começa a criar raízes com esse lugar. Cria uma interação tão grande, que até sua aparência física começa a se adaptar a terra. Por exemplo, seus olhos e peles se tornam claros, se o sol for fraco, e seu corpo não precisa mais produzir melanina para se proteger. O grupo que aos poucos desenvolveu sua linguagem para se comunicar, começa a ensinar as crianças como eles compreendem a vida. E essa compreensão vai variar, de grupo para grupo, ou seja, de povo para povo. Uma aldeia na África, no deserto do Saara, não vai entender o mundo do mesmo jeito que os esquimós, no gelo da Sibéria. São paisagens muito diferentes, portanto, seus mitos, seus deuses, suas leis, suas noções de certo e errado, serão também muito diferentes. Ou seja, suas culturas/religiões serão muito diferentes. E nenhuma é melhor ou pior do que a outra, elas são apenas diferentes.

É desse modo, que desejamos, que vocês leitores compreendam as religiões. Cada qual produto do seu meio, com suas diversas verdades, que atendem seus diversos fieis.

Artigo escrito pela historiadora e cientista da religião, Karina Oliveira Bezerra.

Foi publicado no Observatório transdisciplinar das religiões no Recife, como subsídio pedagógico para o trabalho de educação religiosa nas escolas.

Foi apresentado no curso: “Atualização em Cultura Religiosa”. Realizado em 2011, para lideranças e professores de ensino religioso, promovido pelo Fórum inter-religioso da UNICAP e Instituto Humanitas UNICAP.