Bruxas são perseguidas e mortas na Índia

fev 13, 2012 by

Estimativas extra-oficiais garantem que no mínimo 200 mulheres são vítimas em todo país a cada ano
Neelesh Misra
Associated Press
 
Karandih, Índia – Agitando suas espadas na escuridão, 10 homens fora de si batem na frágil porta de madeira da casa de sapé de Manikui Goipai enquanto ela treme na cama e sua família tenta conter os atacantes. “Matem a bruxa”, eles gritam.

Horas antes, um aldeão morreu de tuberculose. Mas em uma terra onde a população cresceu com essa superstição, rapidamente espalham-se os rumores de que uma mulher causou a morte por meio de um feitiço. O aldeão “ojha”, o exorcista, garantiu que a bruxa era Goipai.

Os assaltantes arrebentaram a porta, e retalharam o marido de Goipai até a morte, enquanto ela gemia de terror. Eles cortaram ainda um pedaço do braço de seu filho, mas ele conseguiu escapar e, mesmo sangrando, chamou a polícia antes de morrer. Uma espada atingiu a testa de Goipai, causando um grave ferimento. Ela estancou o segundo golpe com a mão, sofrendo um corte profundo. Então, os atacantes se foram, tentando escapar antes da polícia chegar. Mesmo assim, foram presos em poucas horas.

“Eles deveriam morrer na prisão”, disse Goipai, atualmente com 40 anos, com sua amargura intacta cinco anos após ter sofrido o ataque. Desde então, ela vive sozinha nos subúrbios de Karandih, onde ela tem sido visitada apenas por repórteres. Goipai é uma das poucas mulheres a sobreviver a um ataque depois de ter sido estigmatizada como bruxa em Bihar, um estado indiano que vive à margem da lei.

De acordo com o Comitê Independente de Ajuda Legal, que luta para punir esses ataques, 536 mulheres foram assassinadas nos últimos 10 anos em apenas dois distritos de Bihar, o maior foco de matança de bruxas indiano. Estimativas extra-oficiais garantem que no mínimo 200 mulheres são mortas como bruxas através de toda a Índia a cada ano.

Entretanto, muitos casos permanecem ignorados, por acontecerem em regiões remotas de Bihar, estado onde vivem as tribos Ho e Santhal. Estes clãs viveram por séculos em florestas, praticando uma cultura de subsistência, e sem quase nenhum contato com o mundo exterior. Eles caçavam com arco e flecha, cultuavam a natureza e juravam lealdade ao chefe da aldeia.

Mulheres acusadas de bruxaria eram arrastadas até a floresta e retalhadas, enforcadas ou queimadas. Cabeças de crianças foram esmagadas nas pedras. Mesmo os casos não-fatais deixam seqüelas graves. Mulheres tiveram os dentes quebrados, as cabeças raspadas e seus seios cortados em pedaços. Outras foram obrigadas a comer excrementos ou andar nuas através das aldeias.

O governo de Bihar aprovou uma lei rígida no ano passado, exigindo uma sentença de três meses de prisão para aqueles que chamarem uma mulher de bruxa. Os assassinos de mulheres tachadas de bruxas podem pegar a pena de morte. Mas as condenações são raras.

“É difícil apurar quem deu o golpe fatal”, conta a cobradora Nidhi Khare, da administração do distrito Leste de Singhbhum. “Nunca há testemunhas, e a maioria dos acusados paga a fiança e é libertado”, diz. “Para essas mulheres, trata-se de uma luta diária”. Em muitos casos, os agressores são os próprios parentes das vítimas, temerosos de seus assustadores poderes sobrenaturais e preocupados com a possibilidade de não conseguir ascensão social por possuir uma bruxa na família.

“Quem mata não acha que está cometendo um crime”, explica Girija Shankar Jaiswal, um advogado que defende casos de mulheres vitimadas por acusação de bruxaria. “Eles acreditam que estão se tornando mártires. Eles não se imaginam indo para a cadeia”.

Isso poderia explicar por que, na aldeia de Damaria, um jovem matou sua própria tia em julho, decapitando-a e levando sua cabeça, em um saco, até uma delegacia, para confessar que havia assassinado uma bruxa. Esses homens que matam mulheres por julgar que são bruxas não se importam com as provas, garante Ajitha George, que faz uma pesquisa sobre os assassinatos de bruxas para a Fundação MacArthur, sediada em Chicago (EUA).

A maioria desses assassinatos têm suas origens em doenças e morte. No estado de Bihar, onde 52% dos homens e 23% das mulheres são analfabetos, existe somente um centro de assistência médica para cada 100 mil pessoas. Por esse motivo o aldeão exorcista acaba desempenhando o papel de médico.

“Os ojhas tradicionalmente utilizam poções feitas de ervas para medicar as pessoas, mas atualmente o sistema de saúde tribal está entrando em decadência, pois existem muitas novas doenças e eles não conhecem a cura”, diz George. Assim, eles usam as mulheres como bode expiatório, ela diz.

O desenvolvimento em uma região rica em água mineral, ao redor do rio Swarnarekha, é um outro fator, diz George. “Agora há demarcação de propriedades, desmatamento, a antiga estrutura está se desmantelando”, conta. “Muitos perderam suas terras, e há casos em que as pessoas subornam os doutores e bruxas para poder acusar viúvas ou mulheres solteiras que possuam propriedades”.

Chhutni Mahatani, de 40 anos, tornou-se uma heroína dentre as vítimas por seu empenho em lutar contra os assassinos de bruxas. Ela foi forçada a comer excremento por seu próprio cunhado há cinco anos, após uma criança ter ficado enferma na aldeia. Ela também foi expulsa do vilarejo e rejeitada pelo seu marido. Mahatani processou seus parentes por acusá-la de ser uma bruxa. Um juiz considerou-os culpados, mas libertou-os sob a alegação de que eram réus primários. Mahatani está apelando na Justiça.

Ao longo desses anos, ela construiu uma casa a quilômetros de sua aldeia natal, criou seus filhos e já casou seu primogênito em junho. Nenhum parente foi convidado para a festa de casamento. “Todos são nossos inimigos”, ela afirma, com os olhos cheios de lágrimas.

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