Reflexo das ondas sonoras nas pedras inspirou o homem pré-histórico

nov 18, 2014 by

caverna acustica

A acústica dos subterrâneos chama a atenção de arqueólogos e antropólogos porque oferece pistas sobre os comportamentos dos homens pré-históricos. Uma pesquisa apresentada no 168º encontro da Sociedade Acústica da América sugere que criações misteriosas da humanidade, como gravações em cavernas e até mesmo as construções de Stonehenge, podem ter sido inspiradas pelo viés sobrenatural que os antepassados atribuíam às ondas sonoras.

Há fortes elementos que apoiam a hipótese de que, durante a pré-história, as propriedades acústicas especiais das cavernas eram utilizadas em rituais e cerimônias que envolviam música e dança. Alguns estudos têm sido realizados com medições sonoras para avaliar as possíveis relações entre a acústica e as pinturas nas paredes das cavernas.

Segundo os pesquisadores, na segunda metade dos anos 700 d.C., músicos usavam cavernas para se apresentar. As grutas de Ossele, na França, por exemplo, eram iluminadas com tochas para a realização de eventos artísticos. Contudo, essas manifestações podem ter ocorrido muito antes disso. “De acordo com a mitologia antiga, ecos das bocas de cavernas eram respostas dos espíritos. Isso sugere que nossos antepassados podem ter feito as pinturas rupestres para mostrar a crença de que entidades habitavam lugares rochosos, como cavernas ou cânions”, explica Steven Waller, autor do estudo.

Assim como a reflexão da luz pode criar ilusões, as ondas sonoras de uma superfície são matematicamente idênticas às ondas que emanam de uma fonte de som virtual atrás de um plano de reflexão, como um grande penhasco. “Isso pode resultar na ilusão auditiva de que alguém responde a você de dentro da rocha”, conta o Waller. Ecos da batida das palmas podem soar como cascos, enquanto que ecos múltiplos dentro de uma caverna geram uma reverberação estrondosa, semelhante ao som de um rebanho de animais em debandada. “Muitas culturas antigas atribuíam o trovão a ‘deuses com cascos’; por isso, faz sentido que a reverberação dentro das cavernas seja interpretada como um trovão, e pinturas desses mesmos deuses de cascos estampem paredes das cavernas”, explica o pesquisador.

“Essa teoria é apoiada por medições acústicas, o que mostra a correspondência significativa entre os sítios de arte rupestre e os locais com o mais forte som de reflexão”, diz ele. Outras características acústicas podem ter sido mal-interpretadas por culturas antigas que desconheciam a teoria das ondas sonoras. Waller notou uma semelhança entre um padrão de interferência e Stonehenge, na Inglaterra. Então, ele criou um padrão de interferência em um campo aberto com apenas duas flautas que sopravam a mesma nota para explorar como elas iriam soar — ou parecer. O resultado obtido foi o de um anel gigante de pedras, assim como o monumento do Reino Unido. O círculo de pedra de Stonehenge tem 17 blocos verticais de pedra arenisca, que pesam até 45t.

O pesquisador viajou para a Inglaterra e demonstrou que Stonehenge, de fato, irradia sombras acústicas que recriam o mesmo padrão de interferência. “Minha teoria mostra que os padrões de interferência musicais serviram como modelos para círculos megalíticos — muitos dos quais são chamados de gaiteiros de pedra — que retratam lendas antigas de dois flautistas mágicos que seduziam donzelas. Elas dançavam em círculos e acabavam transformadas em pedra”, observa.

Experimento

Para demonstrar sua teoria, durante o 168º encontro da Sociedade Acústica da América, Waller pediu a voluntários que vendassem os olhos e experimentassem a mesma ilusão sonora que os gaiteiros. “Solicitei que tirassem a venda e desenhassem o que havia entre eles e o som”, contou o pesquisador, relatando que os desenhos que fizeram eram muito similares ao Stonehenge.

“Acho que essa mesma ilusão ocorreu há cinco mil anos, como se pode demonstrar hoje”, destacou o cientista. “Uma experiência assim era terrivelmente perturbadora no passado em que tudo o que era misterioso era considerado mágico ou sobrenatural. Penso que isso motivou os construtores do Stonehenge a reproduzir a estrutura, recriando a mesma ilusão… como uma visão que teriam tido de outro mundo”, acrescentou. Especula-se que Stonehenge, um dos sítios arqueológicos mais conhecidos do mundo, era um observatório astronômico pré-histórico, um templo solar ou um local sagrado de cura. Mitos antigos de todo o mundo evocam crenças populares, segundo as quais o eco da voz era a resposta dos espíritos, disse Waller.

A acústica parece ter sido usada pelas civilizações antigas para criar potentes espaços espirituais. Um estudo feito por Miriam Kolar, da Universidade de Stanford, na Califórnia, apresentado há dois anos no encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), revelou que os criadores do centro cerimonial de Chavin de Huantar, no Peru, tinham conhecimentos de acústica há três mil anos. A pesquisa demonstrou que o labirinto de túneis situados debaixo do complexo reproduz sons estranhos quando ecoam a voz humana ou instrumentos musicais. Isso sugere que os oráculos se expressavam desta maneira, disse Kolar.

Os maias também usavam a acústica para manipular os espíritos, explica David Lubman, especialista do Instituto de Engenharia de Controle de Ruído em Westminster, que fez estudos no sítio de Chichén Itzá, no México. Na pirâmide de Kukulkán, o eco dos aplausos evoca o canto do quetzal, ave sagrada dos maias, considerada mensageira de Deus, afirmou, em entrevista à agência France Presse.

“Minha teoria mostra que os padrões de interferência musicais serviram como modelos para os círculos megalíticos de Stonehenge, que retratam lendas antigas de dois flautistas mágicos”.
Steven Waller, especialista em arte rupestre

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br