Poder e sociedade na Noruega Medieval

jan 15, 2013 by

Poder e sociedade na Noruega Medieval.

MIRANDA, Pablo Gomes de. Poder e sociedade na Noruega Medieval. Vitória:
DLL/Editora da UFES, 2011, 92p. ISBN 978-85-61857-04-2.

RESENHA

Prof. Dr. Johnni Langer (NEVE/UFMA)

Desde o século XIX os escandinavistas se dedicam ao estudo, tradução e divulgação das sagas islandesas. Mas apesar da enorme publicação de livros dedicados à Idade Média no Brasil das últimas décadas, essas importantes fontes literárias ainda não mereceram maiores atenções em língua portuguesa. É com grande satisfação que recebemos a presente obra, Poder e sociedade na Noruega Medieval, escrita por um dos vários pesquisadores inseridos em programas de pós-graduação em História, dedicando-se especificamente a investigação das sagas reais da Noruega.

Tendo como principal fonte a Haralds saga híns hárfagra, Pablo Miranda analisa as conexões ideológicas das sagas reais com a sociedade nórdica medieval. A narrativa de Harald cabelos belos, rei norueguês que viveu entre os séculos IX e X, é uma das mais famosas sagas integrantes da Heimskringla, épico literário escrito durante o século XIII.

No estudo, sem perder de vista a utilização da narrativa enquanto instrumento de poder e dominação de uma elite, sendo esta a realezanorueguesa, também estão presentes as conexões culturais, por exemplo, na relação entre guerra e poder. Miranda também descortina ao longo da pesquisa outras questões fundamentais nos estudos escandinavos: algumas de cunho tradicional, como as conexões e relações entre história e literatura, a oralidade e o documento escrito; outras mais recentes, como a questão da autoria das sagas, a relação entre memória e história, a recepção social e a audiência das narrativas orais e escritas durante o medievo.

O primeiro capítulo do livro (A konungasa e a ideologia real) analisa como as sagas foram criadas e atreladas a especificidades do espaço e da sociedade islandesa, e com mais detalhes, como as sagas reais serviram de instrumento político a serviço dos reis noruegueses. Neste sentido, Miranda utiliza diversos debates sobre a relação entre memória e oralidade, temas muito importantes na Escandinavística dos últimos 40 anos.

O próximo capítulo (Uma escrita da política na política escrita), aprofunda as conexões entre política cultural e ideológica, especialmente concentrado na construção da figura do rei norueguês, do ponto de vista literário e simbólico. O último e mais importante capítulo do livro (Marchando para a batalha), Miranda concentra-se em decifrar como a guerra foi inserida na sociedade, tanto em seus aspectos religiosos, míticos quanto políticos. A marcialidade, marítima ou terrestre, torna-se vital para o reconhecimento ideológico da liderança na Era Viking, como também é uma expressão direta de referenciais culturais – um dos pilares teóricos da obra, seguindo as perspectivas de John Keegan. Neste momento, Miranda relaciona o tema com suas implicações religiosas, seguindo em particular o caso dos guerreiros berserkir, um de seus temas prediletos. A análise das formações de batalha, dos equipamentos e das comparações com outras fontes nórdicas, todas atreladas ao espírito viking, é um dos momentos mais significativos deste segmento. As questões espaciais inerentes ao tema, mas praticamente deixadas de lado pela historiografia, são parcialmente investigadas neste livro e estão sendo retomadas em profundidade com seu atual projeto de mestrado.

O livro Poder e sociedade na Noruega Medieval é um produto direto do amadurecimento de um pesquisador apaixonado pelo tema, que não perde o seu intuito de produzir uma obra científica e erudita mas que dialoga com o grande público. Façanha essa incomum nos meios acadêmicos, onde nem sempre a paixão e a ciência caminham juntas, produzindo obras intelectuais estéreis que a poeira das bibliotecas trata de engolir. Neste sentido, recomendamos o livro de Pablo Miranda a todos os interessados nos estudos escandinavos e medievais, mas também para as pessoas que buscam obras que descortinem o passado de forma séria e científica, ao mesmo tempo em que produzam o prazer da leitura. A verdadeira arte da decifração da história é uma tarefa para poucos.

Fonte: Notícias Asgardianas n. 1, setembro-outubro de 2012. p.12-14