Xereca Satânik – A Festa

jun 5, 2014 by

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No dia 28 de maio de 2014, quinta-feira, aconteceu o Seminário Corpo e Resistência e – 2° Seminário de INVESTIGAÇÃO & CRIAÇÃO do Grupo de Pesquisas/CNPq Cultura e Cidade Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF), na unidade de Rio das Ostras,Rio de Janeiro. Poderia ter sido um seminário que passasse despercebido como muitos outros, no entanto, a escolha da atividade cultural de encerramento do seminário, fez com que ele chamasse atenção das mídias sociais e imprensa. Diante das fotos e do título do evento “Xereca Satânik – A Festa” e de denúncias moralistas, a polícia federal abriu um inquérito, como informa o G1.xereca2

“As imagens mostram mulheres mascaradas e nuas. Em uma delas, a genitália de uma mulher estaria sendo costurada. Em outras fotos pessoas aparecem num suposto ritual de magia negra, inclusive, com uso de um crânio humano. Um estudante da instituição, que pediu para não ser identificado, contou ao G1 que as bebidas alcoólicas usadas na festa ficaram armazenadas dentro do novo anexo da UFF.

A festa ocorreu ao lado do prédio novo chamado multiuso. O diretor do pólo permitiu o armazenamento de bebidas dentro da universidade. O uso de drogas é praticamente liberado. Precisamos de uma intervenção urgente’, dissxereca3e.

Carlos Eduardo Giglio estava na festa e afirma que tudo não passou de uma apresentação feita por artistas profissionais contratados para fazer parte de um seminário com o tema: corpo e resistência, que tinha o objetivo de chocar os espectadores. Ele também negou o uso de drogas e a realização de orgia entre os alunos.”

 

 

 

 

O chefe do departamento em que o evento foi promovido, Daniel Caetano, esclareceu tudo em seu facebook:

“Após um dia de apresentação de seminários e muitas discussões (testemunhei isso, vi a sala lotada), os alunos promoveram uma performance, realizada por um coletivo que se dispôs a vir de MG apenas para isso. É um coletivo que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites (infelizmente não pude estar presente – era minha intenção, mas tive que resolver problemas da exibição do filme que fiz, que estreou no dia seguinte). A performance foi realizada num espaço anexo ao do Campus, na área arborizada do prédio Multiuso. Esse prédio ainda nem sequer foi inaugurado oficialmente, ninguém passa por lá, ali só foram os que quiseram saber do que se tratava a tal “Xereca satânica”.

Infelizmente, há pessoas que acreditam que o mundo deve ser moldado à sua imagem e semelhança, sem permitir qualquer espécie de desvio do padrão ou mesmo qualquer espécie de afronta à sua sensibilidade confortável, conformista e preguiçosa. A costura de partes do corpo, inclusive da região genital, não é novidade para qualquer pessoa que tenha lido mais de um parágrafo sobre arte contemporânea posterior aos anos 1970. Sugiro a quem quiser saber mais sobre o assunto que pesquise os trabalhos de pessoas como Marina Abramovic e Lydia Lunch. A performance tinha como um dos objetivos denunciar a constante violência contra mulheres na cidade de Rio das Ostras, onde as ocorrências de estupros estão entre as maiores do país.

O caso é que foram feitas e divulgadas fotos do evento – o que deu a ele uma dimensão política e social que vai muito além dos muros do Pólo, tornando-se tema de blogs sensacionalistas e da imprensa marrom. Estando atualmente na função de chefe do departamento em que esse evento foi promovido, afirmo para quem for necessário que damos apoio total aos promotores do evento, realizado dentro de uma perspectiva acadêmica, a partir de discussões ocorridas nas aulas de uma disciplina. É coisa séria e deve ser respeitada.

Enfim, não vamos aceitar baixaria. A universidade pública é um espaço de estudo e conhecimento que não deve ser censurada por causa de informações deturpadas em blogs e jornais. Pondo os pingos nos is: a artista que realizou a performance estava em plena posse dos seus sentidos e o fez porque quis – não foi a primeira vez; nenhum aluno ou qualquer outra pessoa foi constrangido a fazer nada; nenhum ser humano tem o direito de dizer à artista o que ela pode ou não pode fazer com seu corpo; qualquer tentativa de intimidar o curso, os alunos, os professores ou os participantes do evento será por nós considerado um gesto de censura e assim será denunciado – conforme a constituição brasileira nos garante plena liberdade de expressão; e qualquer pessoa em cargo público que porventura se posicionar contra a performance será por nós inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das Ostras.

E, finalmente, embora não tenham sido feitos “rituais satânicos” e o título do evento fosse essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer censura a atos do gênero. A universidade pública é LAICA, como todo o estado brasileiro. Todos os representantes públicos devem defender o laicismo – caso contrário, cometem o crime de prevaricação. A laicidade assegura a qualquer manifestação religiosa o mesmo grau de respeitabilidade: sejam missas católicas, evangélicas, judaicas, budistas ou satânicas.

Como a internet é o reino dos boatos e as notícias já estão correndo, me parece oportuno tornar esses fatos claros para os representantes eleitos da universidade (como o reitor Roberto Salles ou o futuro reitor, já eleito, Sidney Mello) e para o prefeito da cidade, Alcebiades Sabino – que, serenos e inteligentes, certamente não se deixarão levar por boatos de maus jornalistas ou blogueiros irresponsáveis.

Afinal de contas, lá no Puro precisamos conviver com muitos problemas – alguns bem barra-pesada, como o problema da violência local (estupros e assaltos), outros mais crônicos e típicos de universidades públicas (equipamentos deteriorados, falta de conexão à internet num Pólo do interior, eventuais faltas de água e energia elétrica, falta de salas etc etc etc). Mas não esperem de nós que aceitemos conviver com censura ou com conivência a estupros e violências contra mulheres.”

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Em debates no facebook sobre a agressividade da performance, discute-se sobre os limites da arte e os preconceitos morais:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O http://blogueirasfeministas.com/ em solidariedade com as pessoas que protagonizaram a performance, publicaram o Manifesto em Solidariedade às Xerecas Satânicas de autoria coletiva que está circulando como apoio nas redes sociais:

“Xereca Satânica é arte, Xereca Satânica é a liberdade de nossos corpos. Xereca Satânica é a expressão ousada de uma vida limitada.

Todos os dias costuram nossa buceta, nosso cu e nossa piroca, costuram com linhas invisíveis de machismo, de moralismo, de valores conservadores. Todos os dias violam nossos corpos, mutilam nossas expressões despadronizadas, todos os dias querem que nossas xerecas sejam santificadas. Não! Nossa xereca é profana, nosso corpo é uma expressão efêmera de nós mesmos.

Costuramos xerecas, arreganhamos nossos cus, mordemos mamilos, degustamos todas as pirocas. Nós nos devoramos num ritual antropofágico e depois vomitamos. Vomitamos as construções sociais caretas e tudo que nos ensinaram como certo, somos a desconstrução do mundo perfeito e do amor sagrado. Costuramos xerecas porque essa vida já está toda cagada.

As xerecas já sangram biologicamente, isso não nos basta, nós queremos fazê-la sangrar socialmente. As xerecas são satânicas porque elas precisam ser des-santificadas, o diabo precisa deixar de ser demonizado e o mundo precisa ser menos homogêneo. Não acreditamos nem em deus, nem no diabo. Quem nos guia somos nós. Se falamos em diabo, é apenas porque queremos ser antagônicos a deus. Ah! E nunca se esqueçam: satânico não é sinônimo de satanismo.

Todos os valores que vos ensinaram nas escolas e nas igrejas, nós viemos ao mundo para profaná-los, para manchá-los de sangue. Nós queremos chocar vossas cabeças com nosso modo agressivo e marginal de existir, foi assim que vocês nos geraram nesse mundo extremamente desigual. Somos criações poeticamente pervertidas e obras santificadamente degeneradas.

Costuramos bucetas, costuramos cus, costuramos pirocas, acima de tudo costuramos todas as formas de expressão que nos dizem ser corretas. Usamos e apoiamos a utilização dos corpos, porque vivemos numa sociedade que a estética corporal é superior a vida. Nosso corpo não é santo, nosso corpo irá apodrecer assim que a vida se exaurir.

Sem mais, lamentamos informar a todos, que continuaremos a produzir e construir formas antagônicas de valores e sociabilidade num mundo que caminha pela via da robotização das expressões do humano. Pedimos desculpas se incomodamos, mas somos humanos, demasiadamente humanos.

Texto produzido em solidariedade às pessoas que estão sendo vítimas de todo o tipo de conservadorismo após realizarem um evento performático em Rio das Ostras.”

Comentários

  1. J.Santelmo disse:

    Faço minhas as palavras de Sérgio Prata,um dos poucos e verdadeiro artista desse País, para dizer que:
    Esses “artistas” sem real capacitação profissional , sem ofício em mãos, sem a mínima técnica, mal formados em escolas de apostilas.Optam pela facilidade e tentam travestir e designar tudo e qualquer coisa como sendo arte. Ninguém tem coragem de declarar isso como charlatanismo. É fácil simular e enganar, neste setor, pois infelizmente como disse Nelson Rodrigues “o brasileiro é um analfabeto plástico”. Sempre que o Brasil precisou de arte importou um missão francesa, holandesa… Não aprendemos nada com elas, porque a preguiça desses auto denominados “artistas” contemporâneos, que optam pela facilidade proposta pelas fórmulas fáceis dos “ready-made” ou da já batida e cansativa “arte performática” negam a um grande público, ver arte de qualidade . Têm pra todos gostos: os que expõe fezes, pornografia, Xerox do ânus, costura de vagina e outras baboseiras mais e dizem que é arte. Aproveitando da falta de conhecimento que impera no mercado de arte, da falta de cultura de um povo que mal lê jornal, esses oportunistas se unem usando de verbas e espaço públicos, e simulam arte sem propor cultura alguma.Tudo isso séria ridículo se não fosse antes, trágico